Após 3 meses de aulas on-line, algumas famílias ainda lidam com a falta de interesse das crianças e que agora soma-se à desmotivação por tanto tempo longe dos amigos. Como enfrentar e resolver esse desafio? Dica: o problema pode não estar no formato da aula.
Na dia 24 de junho, o Governo do Estado de São Paulo anunciou o cronograma para a retomada das aulas presenciais nas redes pública e privada de ensino. Previsto para acontecer a partir de 8 de setembro, o retorno deve se caracterizar pelo ensino híbrido. Ou seja, a combinação de aulas presenciais e on-line.
Desde a sua efetiva implementação no fim de março pela escolas particulares, o formato digital de educação foi criticado. Passou por adaptações de acordo com as demandas das famílias e as características de cada instituição de ensino e segue forte para garantir a continuidade dos estudos de alunos de diferentes ciclos, da educação infantil até o ensino superior.
Especialmente para as famílias de crianças mais novas, as aulas on-line têm imposto um desafio que vai além da disponibilidade e uso dos recursos tecnológicos: como garantir a atenção dos alunos e mantê-los motivados após mais de três meses de contato com colegas e professores por meio de telas?
Como vão as emoções?
O primeiro ponto a considerar é a influência dos adultos no bem-estar das crianças. O distanciamento social trouxe consequências (em maior ou em menor escala) para todos, e os impactos emocionais nos adultos chegam às crianças. A diferença é que elas nem sempre conseguem externalizar seus medos e angústias de uma maneira óbvia.
Estudo preliminar* realizado em Xianxim, na China, no contexto do distanciamento social concluiu que crianças muito pequenas guiam seus comportamentos pela observação de pais e familiares. Das reações mais comuns relatadas pelos pais de 320 crianças e adolescentes, destacaram-se:
- 36% dependência excessiva dos pais
- 32% desatenção
- 29% preocupação
- 21% problemas do sono
- 18% falta de apetite
- 14% pesadelos
- 13% desconforto e agitação
De acordo com a fonoaudióloga e especialista em linguagem e desenvolvimento infantil Raquel Luzardo, as crianças mais novas nem sempre conseguem verbalizar a ansiedade como os adultos. Elas acabam por se expressar de outras maneiras. “Elas podem ficar mais chorosas, chamar mais os pais para brincar, voltar a usar chupeta, mamadeira ou fralda. Enfim, algumas regressões de comportamento podem acontecer”, detalha.
E como lidar com isso? A melhor maneira é estabelecer horários e manter uma rotina no ambiente doméstico. A quebra de uma rotina que já estava estabelecida, como a ida à escola, é um dos principais fatores que desestabilizam emocionalmente as crianças. Ao terem um novo roteiro para o dia, as crianças se sentem mais seguras. Para mais dicas para ajudar a estabelecer uma rotina para as crianças, clique aqui.
Do lazer ao ensino
Outro aspecto que influencia o engajamento das crianças com as aulas on-line é a relação com o lazer que está indiretamente vinculado ao estar em casa e ao uso de dispositivos móveis, como celular e tablet. De uma maneira abrupta, tudo isso mudou. A casa virou a escola e o computador, a sala de aula.
Mais uma vez, o estabelecimento de uma rotina entra como bússola para nortear a programação diária. E isso não se aplica apenas às crianças, mas aos adultos também. Quem viu o seu ambiente de trabalho migrar para o lar, teve de se adaptar e criar um roteiro de atividades para manter o foco e a produtividade.
“Passados mais de três meses do distanciamento social, ainda nos deparamos com casos de famílias com dificuldades de conciliar o trabalho doméstico e profissional com o acompanhamento das atividades escolares dos filhos, especialmente daqueles que estão na primeira infância “, pontua Ana Célia Campos, diretora pedagógica da Garatuja Educação Infantil.
De acordo com ela, a parceria da escola com as famílias deve ser forte para se criar uma rede de apoio e uma relação pautada pela transparência, honestidade e respeito. “Sempre prezamos pela presença ativa dos pais na escola e, em momentos como esse, fica evidente a importância desse elo, pois é por conta dele que nossos educadores conseguem estar mais próximos dos pais para orientá-los e dar-lhes suporte”, complementa.
Olhe para dentro
De todos os aspectos mencionados neste texto, um se sobressai e é a chave para lidar com as dificuldades de adaptação, atenção e motivação que as crianças possam estar tendo: as emoções.
Uma parte do problema pode ser o formato da aula (se é empolgante ou não) ou o local de estudo. Quando isso acontece, as soluções são mais diretivas e fáceis de coordenar. Mas em boa parte dos casos o bloqueio vem de questões socioemocionais que precisam ser reconhecidas, respeitadas e acompanhadas. Por isso, elencamos algumas dicas que podem ajudar a lidar com essa questão.
- Atenção aos sinais que as crianças dão. Dependendo da idade, as respostas podem ser diferentes. Nos mais novos, choro mais frequente, tentativas de chamar a atenção dos pais, retorno à mamadeira, chupeta ou fralda. Nos mais velhos, dificuldade de dormir, alteração no apetite, queda no rendimento escolar, dor de cabeça, medo ou preocupação excessivos.
- Avalie o seu comportamento. Como já mencionamos aqui, os modelos de comportamento dos pais influenciam muito as crianças. A questão aqui não é julgar, mas abrir-se para o autoconhecimento e notar quais ações e atitudes podem impactar as pessoas ao nosso redor. A prática da meditação e mindfulness ajudam e podem ser um bom começo.
- Tenha paciência e seja empático. Demonstre amor e compaixão e ouça atentamente o que as crianças têm a dizer.
- Conte com uma rede de apoio. A escola precisa ser aliada da família, e vice-versa. Mantenha uma relação aberta e respeitosa com os professores e coordenadores pedagógicos. Eles podem ajudar a reajustar a rota de estudos da criança, caso seja necessário, a identificar o que pode estar incomodando ou afetando a relação e, em conjunto com os pais, propor um plano de ação e acompanhamento.
*FONTE: Jiao et al, Behavioral and Emotional Disorders in Children during the COVID-19 Epidemic, 2020