Há pouco mais de um mês, as escolas de São Paulo se depararam com um novo cenário: a suspensão temporária das aulas como medida sanitária para conter o avanço do novo coronavírus. A fim de manter a educação das crianças, boa parte das instituições de ensino (e em especial as particulares) apostou no ensino on-line.

A transição ocorreu praticamente do dia para a noite, impondo aos educadores, alunos e famílias um novo modelo até então incomum para a educação infantil e ensino fundamental.

E é para discutir os desafios e aprendizados dessa experiência que falamos com Ana Célia Mustafá Campos, diretora pedagógica das escolas Builders Educação Bilíngue e Garatuja Educação Infantil.

Como foi feita a adaptação das escolas ao ensino on-line?

Em termos tecnológicos, não foram necessários muitos ajustes, já que nossas escolas utilizam plataformas digitais há pelo menos dois anos. A maioria dos professores já recebeu formação e muitos possuem certificação Google Educators. Obviamente, a intensidade de tarefas on-line mudou, e a dinâmica de agora requer novas experiências, que trarão novos saberes e ajustes.

Em termos pedagógicos, nosso foco inicial foi adequar as atividades presenciais para o virtual, mantendo a proposta o mais próxima possível do nosso currículo, com os temas de projetos e sequências sendo garantidos. As postagens diárias dos professores ocorrem no turno de aula do aluno. Há sempre propostas para trabalhar as práticas de meditação e mindfulness, algo que aplicamos na escola para todas as turmas e que se apresenta como recurso fundamental para manter a tranquilidade e o controle da ansiedade e do medo, sentimentos que certamente se intensificam nesses momentos de incerteza.

À medida que nos familiarizamos com a nova dinâmica e com base no feedback das famílias, alunos e educadores, fomos inserindo novos recursos como videoaulas, encontros virtuais com o grupo todo, com pequenos grupos, links para atividades on-line. Isso está em linha com competências fundamentais para os alunos deste século. Com a crise, temos novas oportunidades e quem sabe daremos o salto que há tantos anos buscamos na educação brasileira.

Como os pais estão lidando com isso?

O desafio para eles foi bem maior, já que muitos não estavam familiarizados e não entravam na sala de aula virtual com frequência. Mas, em uma semana, nossa equipe de TI garantiu que todos os que estavam com dificuldades aprendessem a utilizar o Google Classroom, onde as aulas são postadas.

O que as famílias precisam entender é que não precisam ser professores e sim estarem dispostas a ajudar no que for preciso, fazer a mediação de que a escola necessita para continuar ensinando e provocando os alunos para o aprendizado. Agora, há muitos conteúdos de vida que podem ser ensinados. A função social do conhecimento está à disposição e, se a família se colocar como parceira da escola, as crianças se beneficiarão muito! A família deve ser a facilitadora do processo!

EAD, videoconferência, aulas gravadas… afinal, como devem ser as aulas?

As escolas tinham um currículo preparado para ser dado de forma presencial. O ajuste para que tudo isso seja vivenciado em um ambiente virtual não é algo simples. Pelo contrário, requer que a escola tenha uma plataforma, que os professores sejam formados e que os alunos tenham tablets ou computadores em suas casas à disposição para as aulas. 

O EAD é um curso formatado para acontecer virtualmente. O que estamos fazendo é utilizando todos os nossos saberes para adequar as aulas para o ambiente virtual de forma que os alunos se envolvam e se interessem pelas aprendizagens novas. Há muitas oportunidades nesse momento. 

A alegria dos alunos ao rever os amigos e professores, mesmo que pela tela de um computador, é contagiante, e a experiência precisou e continuará tendo adaptações. É importante notar que tudo o que é novo requer tempo para ser compreendido e avaliado. Assim, a cada dia e a cada nova experiência positiva, nossa equipe irá rever e adequar suas propostas visando o maior e o melhor aproveitamento de todos os alunos.

O currículo está sendo seguido?

Coincidentemente ou não, as competências propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) poderão agora ser colocadas em prática de verdade! Há uma real situação que demanda que os conhecimentos propostos pela BNCC sejam utilizados!

Há tempos que o foco da educação mudou de “alunos receberem conteúdos dos professores” para “alunos compreenderem conteúdos de forma prática enquanto aprendem competências fundamentais para serem utilizadas em suas vidas”. Ou seja, agora os alunos, os professores e os pais terão de exercitar as tão famosas competências socioemocionais. Criatividade, empatia, capacidade de adaptação, de autogestão e de resolução de problemas, autoconhecimento, comunicação e cultura digital, que são fundamentais para estudantes do século XXI, agora poderão acontecer diariamente enquanto todos buscam se adequar às novas ferramentas e propostas, exercitando o que será exigido desses alunos no futuro!

O que toda essa experiência traz de aprendizados?

Há anos educadores do mundo todo sabem da necessidade de preparar escolas e os professores para aulas no ambiente virtual, uma vez que as crianças deste século já são nativas digitais. De acordo com o sociólogo australiano Mark McCrindle, a chamada geração Alpha (crianças nascidas a partir de 2010) é mais independente e com maior potencial de resolver problemas do que seus pais e avós. Sua relação com a tecnologia é natural. Logo, ela deve ser encarada como aliada no desenvolvimento infantil.

Com a necessidade abrupta de isolamento, o passo rumo à educação do século XXI foi forçado e acreditamos que é um caminho sem volta. Claro que há muitos ajustes e discussões a serem feitas, especialmente para quebrar o preconceito de que o aprendizado só acontece se a criança estiver fisicamente na escola.

A interação e contato físicos são fundamentais para que qualquer ser humano desenvolva seu intelecto, suas capacidades e que seja feliz estando em um grupo, mas a tecnologia também desempenha papel importante na educação. Então, a reflexão que proponho a todos é: o que é aprender? Quais são os conteúdos e competências que os alunos do século XXI devem aprender? Sabemos que os ganhos com o ensino on-line para os alunos mais velhos é inquestionável, mas será que também não pode ensinar muito para nossos pequenos?

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